sábado, 26 de novembro de 2011

Participação e eficácia ou o CG da escola ‘X’

No colóquio «Políticas públicas de educação» promovido pelo Fórum Português de Administração Educacional, a que assisti hoje, António Teodoro, um dos participantes de uma mesa-redonda, diagnosticava os novos tempos educativos como ‘tempos de pulsão autoritária’ ou, na expressão de Boaventura Sousa Santos, uma (nova) ‘democracia de baixa intensidade’. Abordou o paradoxo atual, aceite como evidência pelo senso comum, segundo o qual a ‘participação’ (axioma básico da democracia’) é incompatível com a ‘eficácia’ (palavra-chave da educação orientada pelos resultados). Daqui que se postule a ideia e se ensaie a prática de mais participação democrática=menos resultados.
Este princípio consubstancia-se no novo modelo de gestão das escolas públicas, nomeadamente quando se passa a conceber as chefias intermédias como os longos ‘tentáculos’ do diretor, sendo este a figura da sua legitimação, ao invés da representação entre pares que o modelo de eleição garantiu durante trinta e tal anos. E procedeu-se a essa inversão a partir de crenças ideológicas puras, de inspiração neoliberal (como disse Teodoro) ou gerencialista (como prefere Licínio Lima), e não a partir de um estudo empírico sério e validado, que comprovasse que o modelo de eleição fosse gerador de cruciais dificuldades de gestão; deste modo, o Conselho Pedagógico das escolas tornou-se reunião de fiéis em uníssono, desprezando a diversa coloração de vozes, pelas quais os docentes se faziam representar e ouvir.
Com um Conselho Pedagógico mudo (e, se convier, também cego), negação efetiva da colegialidade autêntica enquanto participação nos processos de decisão, resta-nos o Conselho Geral (CG) – apresentado no texto legal (DL 75/2008, Preâmbulo) como forma de garantir condições de participação a todos os interessados. É o caso dos representantes eleitos dos professores, do pessoal não docente, dos Pais e Encarregados de Educação e dos alunos. Mas será que as escolas traduzem este (exíguo, já) reduto democrático nas suas práticas concretas?
Imaginemos, como puro exercício, a escola ’X’ e o seu CG. Imaginemos que, como na esmagadora maioria das organizações escolares, o seu presidente é um dos representantes docentes. Imaginemos que é chegado o momento de realizar a eleição dos representantes dos Pais e EE, cujos mandatos são de dois anos (DL. 75/2008), desde que os regulamentos Internos (RI) não disponham em contrário.
Imaginemos, por puro exercício ainda, que o RI determina que, para a Assembleia Eleitoral de Pais e EE, deverá ser enviada convocatória a todos os EE contendo, por força da aplicação de CPA, a respetiva ordem de trabalhos e materiais explicativos, e imaginemos que o determina precisamente nestes termos. Imaginemos finalmente que, dada uma alegada contenção de gastos, o Presidente do CG se limita a afixar a convocatória para a Assembleia Eleitoral (realmente ou virtualmente, e, neste último caso, sem disponibilizar os tais materiais informativos). A Assembleia Eleitoral realizar-se-á, por força desta ideologia de desmobilização, contando com uma participação equivalente a cerca de 0,5%  do universo dos interessados.
Posta a situação fictícia, retiremos ilações reais.
O Presidente do CG cumpriu o RI? Não. Porque enviar e afixar não são sinónimos (como se comprovará pela consulta de um qualquer dicionário banal da língua portuguesa); e porque o sinal democrático de acolhimento que enviou foi, para retomarmos a expressão do sociólogo acima referido, de ‘baixa intensidade’; ainda porque a percentagem de participação confirma a anomalia do processo. Para já não falarmos das possibilidades de enviar sem custos financeiros acrescidos, ao alcance de todas as escolas, desde que devidamente planificada e atempadamente desenvolvida.
Qual a gravidade deste ato de ‘fingir que se cumpre’? Muita. Em primeiro lugar porque desrespeita o RI, normativo que implementa as condições do exercício da autonomia na escola e que consolida o consenso de uma comunidade educativa alargada que o votou e onde estão representados os diferentes interesses. Em segundo lugar, o presidente do CG desrespeitou-se a si mesmo, figura que simboliza a dignidade intrínseca do órgão, assim traída pelo próprio. Em terceiro lugar, e de forma mais gravosa, desrespeitou o Pais e EE da sua escola a quem (de forma deliberada ou não) impediu o acesso autêntico aos processos democráticos de representação, substituindo-o por uma ‘performance’ muito mitigada.
Qual a probabilidade dos restantes membros do CG rejeitarem uma situação que, de forma tão clara, renega a natureza do CG como órgão de representatividade democrática? Pouca. Porquê? Dada a interiorização patológica da incompatibilidade entre o princípio da participação democrática e o da eficácia? Em grande medida. Porque há um lobby de Pais (escolhidos a dedo) que temem a excessiva abertura a outras sensibilidades, quiçá menos permeáveis à sua agenda de interesses? Muito provavelmente.
Esta é, naturalmente e para nossa tranquilidade, uma história ficcionada. Mas, ainda assim, possível numa paleta de possibilidades razoavelmente variada.

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