quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A escola como sistema político

Na já clássica obra de G. Morgan sobre sociologia das organizações, Imagens da Organização, este autor teoriza as diferentes estruturas organizacionais a partir de metáforas introduzindo, assim, uma imagética mais interpretativa e menos normativista, neste tipo de estudos. Embora as metáforas organizacionais acarretem algumas limitações e vícios cognitivos, constituem um ponto de vista eficaz para a compreensão dos mecanismos de estruturação organizacional. Constituem, no essencial, modelos de compreensão hermenêutica que não se excluem forçosamente; desta forma a escola, enquanto organização complexa, pode ser vista a partir da metáfora mecanicista, tanto quanto da metáfora política.
No primeiro caso, a escola-máquina remete para a organização escolar como estrutura formal estática e fechada, para as suas rotinas infinitamente repetidas, para uma visão dos atores como ‘trabalhadores’ em consonância com os objetivos e metas da organização, como numa gigantesca linha de montagem de inspiração taylorista. Esta é, de facto, a perspetiva clássica que penetra, ainda, o senso-comum (sempre ingénuo) dos intervenientes, nomeadamente dos professores; vários são os traços da estrutura escolar que reproduzem e reforçam a metáfora clássica-mecanicista, como: (i) uniformidade curricular; (ii) metodologias comuns, orientadas para o ensino coletivo; (iii) departamentalização; (iv) constituição de grupos-turma homogéneos (mais frequentemente por níveis de instrução, idade e, por vias informais, por níveis de aproveitamento); (v) posicionamento insular dos professores (como ‘trabalhador’ de uma ‘parte’ do aluno, que envia para outro professor, e outro, e assim sucessivamente, como numa linha de montagem).
A metáfora política, ao invés, adota um ponto de vista que não se atém em exclusivo às estruturas formais e racionais; ausculta e torna inteligíveis as ‘vísceras’ da escola, os campos vitais dos atores na sua interação. Como sistema político, a escola torna-se compreensível em torno do fenómeno central que são os jogos de poder.
Tal como nos sistemas de governo as organizações em geral e as escolas em particular podem oscilar entre sistemas equiparados a uma autocracia e sistemas equiparados a uma democracia. Em qualquer das perspetivas, porém, a dimensão política constrói-se como uma pirâmide cujos vértices são  interesses, poder e conflitos (Morgan). Esta conceção contrasta com a visão unicista da organização (que informa a perspetiva clássica), que exclui a perceção dos atores enquanto representantes de grupos de interesses particulares; como tal, os conflitos são obscurecidos, negados ou tidos como anomalia patológica. Na conceção política, pluralista por definição, a diversidade de interesses, quer individuais, quer de grupos, é tida como o elemento dinamizador da mudança e do progresso organizacional; nesta perspetiva, o conflito constitui um traço inevitável, acarretando dinâmicas positivas; o poder é crucial, constituindo o meio de resolver (temporariamente e de forma contingente) os conflitos de interesses. Concebemos, deste modo, a escola como um campo de ação estratégica, um jogo que se joga num contexto que não é neutro nem estático, é, antes, uma estrutura dinâmica ideologicamente orientada (ver Crozier & Friedberg, nomeadamente a obra deste último, O Poder e a Regra).
Ao contrário da perspetiva clássica e mecanicista, a perspetiva política não se satisfaz com a compreensão estrutural e superficial da escola; entende que, para a compreender enquanto fenómeno organizacional, temos de penetrar o que se ‘esconde’ no seu seio, temos de a descobrir ‘lá por dentro’, onde se movem as suas forças vivas: os interesses, as influências, os conflitos e os jogos que reescrevem constantemente os equilíbrios de poder que caracterizam a organização enquanto ação estratégica. Somente no contexto da metáfora política logramos percecionar a importâncias das pessoas e dos rostos que queremos dar às organizações; e perceber que a escola é as pessoas.

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