sábado, 13 de outubro de 2012

O Estado A Que Chegámos: o mito da separação de poderes

Entrevista a Fernando Pinto Monteiro, ex-procurador-geral da República (Expresso, 13/10/2012, p. 21)


FPM - (...) Se eu sempre disse para investigarem até ao fim... No último dia do prazo, às sete da tarde, puseram-me o processo em cima da secretária. Estava cheio de coisas para fazer e não tive tempo para o ler na altura. Tive a surpresa, no dia seguinte, de o jornal 'Público' trazer as perguntas que não chegaram a ser feitas a José Sócrates. Se entendiam que havia perguntas a fazer, deviam ter pedido mais tempo. Ou então as perguntas não tinham razão de ser.
P - Porque é que isso aconteceu?
FPM - Aconteceu e foi errado. Com os anos que o processo durou, não houve tempo para fazer as perguntas? Por amor de Deus. Se as quisessem fazer, tinham-nas feito. O mal está em que não se pode terminar um processo deixando uma suspeição no ar, porque a imprensa imediatamente aproveita isso. Em dezenas de milhares de processos, nunca tinha visto uma coisa assim.
P - O processo Freeport, pelos vistos, está cheio de coisas que nunca viu.
FPM - Por isso é que é um processo político.
P - Como é que isso se explica?
FPM - Não faço ideia nenhuma. Tem de perguntar aos próprios. E aquelas perguntas adiantavam alguma coisa? Viram o que a drª Cândida disse, que as perguntas eram completamente inúteis? Repare que o processo voltou agora aos magistrados e eles mandaram-no arquivar.
P - Mas porque é que José Sócrates nunca foi ouvido como testemunha?
FPM - Nunca arranjaram elementos que metessem o homem em parte nenhuma.
P - Mas o tribunal que fez o julgamento não concordou com a comclusão do MP.
FPM - Fui juíz toda a vida e nunca vi um julgamento sobre o António e o João, com o tribunal à procura de provas sobre uma pessoa que não está lá, mas enfim. Esse despacho foi enviado para o DCIAP e os procuradores analisaram tudo outra vez e concluiram pelo arquivamento. Está arquivado.
P - Com outro cidadão e com os mesmos indícios, o processo teria tido o mesmo desfecho?
FPM - Mas o processo não tem indícios nenhuns. Tem uma carta anónima e uma senhora que ouviu uma conversa no café. Se fosse com outro cidadão, o processo teria sido arquivado liminarmente. Se eu mandasse investigar todas as participações que recebi, poucos políticos não estariam agora com um processo-crime. Mal de nós se formos condenar alguém por ouvir dizer. O processo Freeport foi muito bem investigado e até foi o terceiro mais caro de sempre, depois de 'Camarate' e da 'Maddie'.
P - Foi o tribunal a dizer que as suspeitas contra o antigo primeiro-ministro não foram bem investigadas pelo MP.
FPM - Não comento decisões judiciais, mas o processo é uma fraude. O maior problema que o MP tem é a contaminação entre a Justiça e o poder político. E mesmo que se apure que não há nada, fica sempre a suspeição. E o pior é que já há magistrados a fazer política.
P - Como?
FPM - Basta lê-los e ouvi-los.
(...)

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