domingo, 21 de abril de 2013

Escola, Liberdade e Capitalismo

O paradigma a que nos habituámos como professores e, antes, como alunos, foi à 'maldita' burocracia. O modelo de regulação burocrática preserva o poder central e centralizador do Estado, garantindo o equilíbrio entre a fixidez da hierarquia e a neutralidade da lei, garante de que todos temos o nosso 'lugar' pré-definido (e necessário), no seio da grande engrenagem social e produtiva.
A partir dos anos 80, começámos a aspirar pela autonomia das escolas, como por um oásis de frescas água, capaz de nos libertar desse deserto burocrata que nos transformava em autómatos ao serviço de um cérebro distante.
O léxico foi penetrando o quotidiano, mais do que o funcionamento das escolas e, por vagas ou fases, fomos passando da mera 'cosmética autonomista', para uma regulação pós-burocrática, nuns aspetos, ultra-burocrática noutros. 
As estratégias pós-burocráticas e as múltiplas autonomias, são particularmente caras às ideologias que divinizam o mercado como chave de ouro das nossas vidas. Estão associadas à defesa do 'Estado mínimo' e à transformação dos utentes de serviços públicos (como os educativos), em clientes de empresas privadas ou de gestão privada. As políticas autonomistas visam, em última instância, não a garantia simpática de que uma escola pode ser, de facto, 'autónoma', definindo a sua regra, a sua lei. Não. A autonomia visa viabilizar um esquema de livre concorrência mercantil entre as organizações educativas, tanto públicas, como privadas. Criando um mercado educativo liberalizado e regulado pelo lucro e pela procura (a livre-escolha das famílias), a pós-burocracia no seu modelo ultraliberal, permite que o sistema educativo 'evolua', no sentido darwinista do termo: as escolas adaptam-se ou extinguem-se, os recursos 'racionalizam-se'.
As ideias de 'crise do sistema educativo' e de 'escassez de recursos' são fundamentais para apresentar, num ambiente social passivo e/ou recetivo, reformas tendentes à privatização e empresarialização dos serviços públicos, fazendo passar o modelo da eficácia moderna (em oposição à ineficácia burocrática). A este discurso foi vulnerável, nesta mudança de século, tanto a 'nova direita', como a esquerda da Terceira Via (a de Blair em Inglaterra; entre nós, a Esquerda Moderna de Sócrates). Quanto mais a escola se associa a um valor económico, mais se dissocia do seu valor democrático.
Capitalismo e Liberdade, de Friedman, publicado em 1962, foi talvez o texto que mais influenciou as reformas educativas dos anos 80 e 90, que se têm consolidado e alargado na última década - por cá, também. A agenda educativa conservadora e neoliberal (que é uma sofrida antinomia dos tempos que vivemos), proclama um conjunto de dogmas ideológicos que a prova da realidade não tem cessado de desmentir, como agudamente se percebe desde 2008, a todos os níveis. Estes dogmas assentam numa espécie de verdade revelada da economia ultraliberal: quanto mais o Estado reduz a sua intervenção, mais se libertam as forças económicas geradoras de riqueza. Isto quer dizer que basta que o Estado liberte a sociedade civil (tradicionalmente aprisionada nas suas enormes e inúteis garras burocráticas), e veremos florir o imenso jardim do empreendedorismo individual!
Só não sabemos como, nem quando.

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