segunda-feira, 14 de maio de 2012

Ad Feuerbach (1845)

Os pilares da filosofia de Marx, admitidos pelo próprio e também por Engels, terão sido a filosofia alemã, o socialismo utópico francês e a economia política inglesa. Da filosofia alemã, destaca-se a influência do idealismo absoluto de Hegel e do materialismo contemplativo e 'romântico'de Feuerbach, ambos comcebidos por Marx como superados na sua visão científica do materialismo dialético. Em 1884, Marx redigiu o pequeno opúsculo que ficou conhecido, em Portugal, como «Teses sobre Feuerbach», no qual se verifica a passagem de uma dimensão especulativa-crítica da filosofia, para uma dimensão práxica, concebida como projeto filo-político.


I
A insuficiência principal de todo o materialismo até aos nossos dias (o de Feuerbach incluído) é a de as coisas, a realidade, o mundo sensível, serem tomadas apenas sob a forma do objeto  (Objekt) ou da contemplação (Anschauung); mas não como atividade humana sensível, práxis, não subjetivamente. Daí o lado ativo desenvolvido abstratamente, em oposição ao materialismo, pelo idealismo - o qual naturalmente não conhece a atividade sensível real, como tal. Feuerbach quer objetos sensíveis realmente distintos dos objetos do pensamento: mas não toma a própria atividade humana como atividade objetiva. Daí que, na Essência do Cristianismo apenas considere a atitude teórica como a genuinamente humana, ao passo que a práxis é apenas tomada e fixada na sua forma de manifestação sordidamente judaica. Daí que ele não compreenda o significado da ativida revolucionária, de crítica prática.
II
A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade objetiva - não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o homem tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não-realidade do pensamento - que está isolado na práxis - é uma questão puramente escolástica.
III
A doutrina materialista da transformação das circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias têm de ser transformadas pelos homens e que o próprio educador tem de ser educado. Daí que ela tenha de cindir a sociedade em duas partes - uma das quais fica elevada acima dela.
A coincidência da mudança das circunstâncias e da atividade humana ou autotransformação, só pode ser tomada e racionalmente entendida como práxis revolucionária.
IV
Feuerbach parte do facto da auto-alienação religiosa, da duplicação do mundo num mundo religioso e num mundo mundano. O seu trabalho consiste em resolver o mundo religioso na sua base mundana. Mas que a base mundana se erga acima de si própria e se fixe, um reino autónomo, nas nuvens, é de explicar apenas a apartir da autodivisão e do contradizer-se a si mesma desta base mundana. É esta mesma, portanto, que em si própria tem de ser tanto entendida na sua contradição como praticamente revolucionada. Portanto, depois de, por exemplo, a família terrena estar descoberta como o segredo da sagrada família, é aquela mesma que então tem de ser teoricamente e praticamente aniquilada.
V
Feuerbach, não contente com o pensamento abstrato, quer o conhecimento sensível; mas não toma o mundo sensível como atividade humana sensível prática.
VI
Feuerbach resolve a essência religiosa na essência humana. Mas a essência humana não é uma abstração inerente a cada indivíduo. Na sua realidade ela é o conjunto das relações sociais.
Feuerbach, que não entra na crítica desta essência real, é, por isso, obrigado:
1. a abstrair do processo histórico e a fixar o sentimento religioso por si, e a pressupor um indivíduo abatratamente - isoladamente - humano.
2. A essência só pode, por isso, ser tomada como "espécie", como generalidade interior, muda, que liga naturalmente os muitos indivíduos.
VII
Feuerbach não vê, por isso, que o próprio "sentimento religioso" é um produto social, e que o indivíduo abstrato que ele analisa pertence a uma determinada forma de sociedade.
VIII
Toda a vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que levam a teoria ao misticismo encontram a sua solução racional na práxis humana e no compreender desta práxis.
IX
O mais alto a que chega o materialismo contemplativo, isto é, o materialismo que não compreende o mundo sensível como atividade prática, é à visão (Anschauung) dos indivíduos isolados e da sociedade civil.
X
O ponto de vista do materialismo velho é a sociedade burguesa, o ponto de vista do novo, a sociedade humana ou a humanidade social.
XI
Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes. A questão é transformá-lo.
Trad. do original alemão por Álvaro Pina, segundo o
 manuscrito de Marx, da primavera de 1845.

1 comentário:

L. Varela disse...

Olá Fernanda, obrigado pela divulgação deste texto filosofico que só conhecia de nomw. Acho que marx tem mesmo que ser revisitado; nos tempos que correm.