domingo, 26 de fevereiro de 2012

Alterações ao modelo de gestão e administração : a proposta da ambiguidade (2)

Na propostas de alteração ao regime de administração e gestão das escolas públicas (DL 75/2008, de 22/4) surge uma outra ‘novidade’, aparentemente orientada para a redução dos poderes dos diretores das escolas, compromisso assumido pelo MEC, com os sindicatos, aquando da negociação do novo modelo de avaliação e a troco de alguma paz social no campo da educação: os conselhos gerais (CG) acrescentam a competência de intervir, nos termos definidos em diploma próprio, no processo de avaliação do desempenho do diretor (art.º 13º, ponto 1, alínea q).
Na blogosfera (sobretudo) levantaram-se indignações por várias razões, das quais:
1ª, porque, supostamente, se trata de um acréscimo de politização do cargo de diretor, naturalmente associado à relevante representatividade das autarquias neste órgão de direção estratégica (o CG).
Não partilho desta convicção e, considerando que a representatividade autárquica nos CG contribui para a natureza de arena política deste orgão, estou longe de lhe associar a exclusividade e o monopólio do jogo político. Esta convicção padece da convicção ingénua, mas fortemente implementada, importada dos modelos burocrático-racionalistas, da neutralidade natural dos atores, particularmente dos oriundos da organização escolar. Na realidade, o CG é um órgão político e estratégico em todo o seu alcance, onde se criam e recriam grupos de interesses, lobbys, jogos de poder, etc., construindo ordens transitórias e contingentes, que estruturam, por assim dizer, as ‘entranhas’ das escolas (a este propósito encontramos uma extensa bibliografia, sobretudo de origem anglo-saxónica – Blase, Ball, Bacharach -, mas também francesa, com Crozier e Freidberg).
Portanto, parecendo-me claro que tal medida acentua a dimensão política da avaliação dos diretores, tal não decorre, exclusivamente, de uma espécie de perversão inerente às lógicas autárquicas. É, a meu ver, mais vasto do que isso, mas também mais incontornável. Decorre da própria natureza política das organizações.
2ª, uma vez que os diretores das escolas são avaliadores do pessoal não docente e docente, que se encontra representado no CG, nomeadamente na qualidade de presidentes da secção de avaliação do desempenho docente do conselho pedagógico, tem funções relevantes de direta interação com os avaliados, como aprovar a classificação final e apreciar e decidir reclamações sobre a classificação final (artigo 12º do Dec. Reg. nº 26/2012, de 21/2). Em concreto, no que concerne aos membros docentes (e também, de forma análoga e ainda mais acentuada, aos não docentes) com assento no CG, estão comprometidas as condições de isenção, pois estes são avaliadores do seu diretor, que, por sua vez, é avaliador dos próprios! Este aspeto parece-me bem mais comprometedor e suscetível de não resistir a uma séria aplicação da norma geral estabelecida no código do procedimento administrativo, relativamente às garantias de imparcialidade (secção IV). Daqui, sim, parece-me poder vir a resultar ambiguidades bem mais comprometedoras

4 comentários:

m.f.f. disse...

Leia-se: «Esta convicção padece da crença ingénua ...»
Obg
m.f.f.

L.Varela disse...

Mas neste país só se dão pelas incongruências, quando já se está 'no terreno'!?! É que antes disso, nem quase ninguém lê!

m.f.f. disse...

Varela: fala das incongruências legais ou das do meu texto ...? :)

L. Varela disse...

Cara amiga, das da lei! Os seus textos são muito claros e fáceis de ler. Embora profundos, informados e de grande ajuda para percebermos as escolas e os seres humanos na generalidade, não seja a intervenção da filosofia!