sábado, 11 de fevereiro de 2012

Um ensaio socio-psico-filosófico sobre o silêncio nas organizações (I)

Um antigo primeiro ministro inglês, Edward Heath,  abordando certo tipo de relações no seio das organizações e os seus impactos sobre a saúde física e mental dos seus colaboradores, descreve-o como a face repugnante da vida organizacional. A sociologia das organizações prefere usar a imagem da organização como instrumento de dominação e a metáfora da sombra ou do lado obscuro. Trata-se do impacto da vida organizacional, das relações e das narrativas que produz, sobre a lucidez dos seus colaboradores. A sombra ou, em termos atuais, a prisão psíquica foi explorada por Platão, na sua República, precisamente na Alegoria da Caverna: encerrados no fundo de uma caverna que julgam ser o mundo real, os prisioneiros que se julgam livres, tomam a aparência por realidade e entendem como louco e se pudessem, não o matariam? – aquele que lhes diz a verdade.  
Mas o mais interessante nesta metáfora de grandes potencialidades para a análise das organizações em geral e das escolas em particular é que, ao contrário do que pretendia Max Weber, impondo uma orgânica racionalista, convencendo-se que as organizações se tornavam mais racionais quanto mais se desenvolvessem (é esse o princípio fundamental da burocracia), as organizações produzem o seu próprio enredo irracional e nele se sustentam – como na imagem freudiana do iceberg, onde a face visível é incomensuravelmente mais pequena do que a sua escura e perigosa face imersa.
Porém, Weber não ignorou que a organização se afirma como instrumento de dominação – foi mesmo, a par de Karl Marx, um dos principais pensadores do fenómeno da dominação. Weber distinguiu diferentes tipos de dominação: em primeiro lugar, quando uma pessoa ou grupo coage outra ou grupo, através do uso direto da força ou da ameaça implícita ou explícita; claro que neste caso estamos perante um potencial ‘caso de polícia’ e, por isso, costumam as narrativas organizacionais e os constructos que constituem as suas bases de sustentação, optar por formas mais subtis de dominação. As formas legítimas de dominação, como a autoridade formal ou a influência carismática, foram as que mais interessaram Weber: quando quem domina é percebido como detentor desse direito e quando quem é dominado se percebe como tendo o dever de acatar. O entendimento ainda excessivamente burocrático, das nossas organizações escolares, constituem-se, por isso, como padrões hermenêuticos de pobre alcance, conduzindo a equilíbrios muito superficiais e frágeis.
Entretanto, quanto mais fundo estivermos na caverna e mais consumidores de ilusões formos, mais eficazmente somos devorados pela esquizofrenia das sombras: chegamos a iludir-nos sobre o poder (vã representação!) de pararmos o pensamento dos outros, ou, pelo menos, de calar a sua voz (vã ilusão!) … É esta a história trágica e atual, que Platão nos conta na República. É como digo aos meus amigos e alunos: a filosofia ensina-nos a ver a vida aqui e agora, e constitui uma vantagem incomensurável!

Sem comentários: