sábado, 16 de junho de 2012

O folclore burlesco dos Exames Nacionais

No blog O Estado da Educação (aqui ), uma lúcida e deliciosa análise ao folclore burlesco dos Exames Nacionais, que se trancreve:


(...) não consigo resistir a comentar o imenso folclore que mais uma vez envolve a realização dos nossos exames nacionais, cujo ínicio está marcado para a próxima segunda-feira. Refiro-me ao folclore em torno das normas que regulam a vigilância dos exames.

1. Aproximadamente há cerca de uma década, não sei precisar, a realização destas provas passou a ser pretexto para um imenso populário que, pretendendo transformar os exames nacionais num momento de sacralidade extrema, acaba por fazer deles um momento quase burlesco. Na verdade, foi perdida a noção do ridículo, porque a substância e o sentido das coisas foram perdidos. Quando assim acontece, o extravagante, o picaresco substitui a substância, e esta troca tem sempre consequências terríveis — em particular quando o conteúdo cede o lugar à forma, e a forma é somente uma aparência pimba.
Com efeito, nos últimos anos, tem-se desenvolvido um distúrbio mental dirigido à Escola portuguesa — naturalmente, que este distúrbio é reflexo de um distúrbio mais global de que o país tem sofrido e continua a sofrer, mas o facto é que a Escola parece ter sido escolhida como alvo prioritário a contaminar. Quem hoje está por dentro da parafernália de regras e de determinações que provêm do Júri Nacional de Exames, e que depois são ampliadas, interpretadas e executadas pelos agrupamentos e pelas escolas, pode legitimamente interrogar-se como é que há vinte, trinta ou quarenta anos era possível realizar exames sem a esquizofrenia normativa que agora existe. Se compararmos os procedimentos e as práticas desse tempo com o actual pergunta-se de que moléstia padecem as cabeças que hoje têm como entretenimento inventar normativos, determinar comportamentos e, sem contexto nem equilíbrio, fabular incomensuráveis responsabilidades e potenciais sentimentos de culpa nos professores vigilantes.

Nos guias de instruções para a realização de exames nacionais encontram-se passagens como esta: «A função de vigilante de provas de exame é uma das mais importantes e de maior responsabilidade de todo o processo das provas finais de ciclo e dos exames finais nacionais, já que um lapso por parte dos professores vigilantes numa única sala poderá pôr em causa toda uma prova a nível nacional» (o negrito é meu). Para além da delícia expressiva de «toda uma prova», o que ressalta deste excerto é a desequilibrada necessidade de atemorizar e o desequilibrado peso de responsabilidade atribuído a uma função que apenas precisa de ser feita com seriedade profissional e nada mais. Contudo, quem lê este parágrafo fica com a impressão de que estamos perante uma responsabilidade idêntica à da manutenção de um segredo de Estado, cuja violação coloca em perigo a segurança da nação.

2. A existência de telemóveis tem constituído um afrodisíaco para as mentes normativas dos exames nacionais. Ano após ano observa-se que a fruição do desejo e do prazer de procurar a forma perfeita de impedir a interferência do telemóvel na realização das provas é inibida ou frustrada pela impotência objectiva de o conseguir de forma simples. Deste problema de desejo não concretizado resultam regras assim enunciadas: «Qualquer telemóvel ou outro meio de comunicação móvel que seja detetado na posse de um examinando, quer esteja ligado ou desligado, determina a anulação da prova pelo diretor do estabelecimento de ensino» (o negrito é meu). As mentes normativas, em lugar de prescreverem de modo claro que é proibida a entrada de telemóveis ou de outros meios de comunicação móvel na sala em que decorre o exame, optam por expressões que as mentes interpretativas depois questionam e da qual resultam análises e hermenêuticas do maior interesse: «na posse» significa o quê? Significa que o telemóvel se encontra num bolso do vestuário do aluno? E se o telemóvel estiver na mochila e a mochila for depositada junto da secretária do professor (conforme manda o normativo) continua a considerar-se que ainda está na «posse» ou já não está «na posse» do aluno? E se, nesta circunstância (dentro da mochila, junto à secretária do professor), o telemóvel tocar durante a realização do exame, o aluno proprietário do telemóvel fica com a prova anulada? Ou não fica, porque o telemóvel não está na sua «posse»?
Não estou a inventar exegéses, estou a transcrever objectivamente partes de um agradável debate que, nos agrupamento de exames e nas escolas, tem ocorrido.

3. Este ano foi introduzida uma novidade: no cabeçalho da folha de resposta do aluno, para além de ser obrigatório indicar o número de páginas utilizadas (como já era), é necessário indicar também o número de folhas utilizadas, sendo que, neste caso, uma folha tem a particularidade de ser composta por quatro páginas... Não se vislumbra, e também ninguém explica, a razão de ser de mais esta norma — que previsivelmente irá introduzir mais perturbações «interpretativas» e mais ruído na fiabilidade dos dados recolhidos — mas o facto é que houve alguém que a considerou muito pertinente.
Não será arriscado tentar adivinhar que, no próximo ano, esta novidade desaparecerá...

4. Mais folclórico do que isto é a «norma» (transmitida apenas oralmente, que a ausência de pudor ainda não chegou a tal ponto...) que estipula que as professoras não devem vigiar exames com sapatos de salto alto, porque o barulho dos passos com tais tacões é susceptível de distrair os alunos, e que esta circunstância (salto alto) pode ser um justificado motivo de reclamação.
Mais folclórico e muito mais grave do que isto é uma outra «norma» (também ainda só transmitida oralmente) que «sugere» sentido de discrição na escolha da indumentária, da parte de quem vai vigiar, de modo a que os alunos não se distraiam ou venham a queixar-se que se distraíram por essa razão.
Prosseguindo este caminho, certamente que não teremos de aguardar muito pelo dia em que surja regulamentado o comprimento mínimo das saias, a largura mínima das calças, a área e a profundidade máximas dos decotes, o grau de transparência das roupas...

sexta-feira, 8 de junho de 2012

A crise da Educação segundo Martha Nussbaum

Excertos de um texto da filósofa norte americana Martha Nussbaum, que se dedicou, fundamentalmente, à reflexão na área da Ética e Filosofia política e que, neste texto publicado na edição portuguesa do Courrier Internacional (nº 175, setembro de 2010), aborda questões muito relevantes acerca da crise e empobrecimento da educação.
Uma crise planetária da Educação
(Martha Nussbaum)
Atravessamos actualmente uma crise de grande amplitude e de grande envergadura internacional. Não falo da crise económica mundial iniciada em 2008; falo da que, apesar de passar despercebida, se arrisca a ser muito mais pre­judicial para o futuro da democracia: a crise planetária da educação.

Estão a produzir -se profundas alterações naquilo que as sociedades democráticas ensinam aos jovens e ainda não lhe afe­rimos o alcance. Ávidos de sucesso económico, os países e os seus sistemas educati­vos renunciam imprudentemente a competências que são indispensáveis à sobrevivência das democracias. Se esta tendência persistir, em breve vão produzir-se pelo mundo inteiro gerações de máquinas úteis, dóceis e tecnicamente qualificadas, em vez de cidadãos realizados, capazes de pensar por si próprios, de pôr em causa a tradição e de compreender o sentido do sofrimento e das realizações dos outros.

De que alterações estamos a falar? As Humanidades e as Artes perdem terreno sem cessar, tanto no ensino primário e secundário como na universidade, em quase todos os países do mundo. Considera­das pelos políticos acessórios inúteis, nu­ma época em que os países têm de desfazer – se do supérfluo para continuarem a ser competitivos no mercado mundial, estas disciplinas desaparecem em grande ve­locidade dos programas lectivos, mas também do espírito e do coração dos pais e das crianças Aquilo a que poderíamos chamar os aspectos humanistas da ciência e das ciências sociais está igualmente em retrocesso, preferindo os países o lucro de curto prazo, através de competências úteis e altamente aplicadas, adaptadas a esse objectivo.

Procuramos bens que nos protegem, satisfazem e consolam — aquilo a que [o escritor c pensador indiano] Rabindranath Tagore chamava o nosso «invólucro» material. Mas parecemos esquecer as faculdades de pensamento e imaginação que fazem de nós humanos e das nossas interacções relações empáticas e não simplesmente utilitárias Quando estabelecemos contactos sociais, se não aprendermos a ver no outro um outro nos, imagi­nando-lhe faculdades internas de pensa­mento e emoção, então a democracia é vo­tada ao malogro, porque assenta precisamente no respeito e na atenção dedicados ao outro, sentimentos que pressupõem que os encaremos como seres humanos e não como simples objectos.

Hoje mais que nunca, dependemos todos de pessoas que nunca vimos. Os pro­blemas que temos de resolver – sejam de ordem económica, ecológica, religiosa ou política – têm envergadura planetária. Nenhum de nós escapa a esta interdependência mundial. As escolas e as universidades do mundo inteiro têm, por conseguinte, uma tarefa imensa e urgente: culti­var nos estudantes a capacidade de se considerarem membros de uma nação heterogénea (todas as nações modernas o são) e de um mundo ainda mais heterogéneo, bem como uma noção da história dos dife­rentes grupos que o povoam.

Se o saber não é a uma garantia de boa conduta, a ignorância é quase infalivelmente uma garantia de maus procedimentos. A cidadania mundial implica realmente o conhecimento das humanidades? 0 indivíduo necessita certamente de muitos co­nhecimentos factuais que os estudantes podem adquirir sem formação humanista – memorizando, nomeadamente, os factos em manuais padronizados (supondo que não contêm erros). Contudo, para ser um cidadão responsável necessita de algo mais: de ser capaz de avaliar os dados históricos, de manipular os princípios económicos e exercer o seu espírito crítico, de comparar diferentes concepções de justiça social, de falar pelo menos uma língua estrangeira, de avaliar os mistérios das grandes religiões do mundo. Dispor de uma série de factos sem ser capaz de os avaliar, pouco mais é que ignorância. Ser capaz de se referenciar em relação a um vasto leque de culturas, de grupos e de nações e à história das suas interacções, isso é que permite às democracias abordar de forma responsável os problemas com os quais se vêem actualmente confrontadas. A capacidade – que quase todos os seres humanos têm, em maior ou menor grau – de imaginar as vivências e as necessidades dos outros deve ser amplamente desenvolvida e estimulada, se queremos ter alguma esperança de conservar instituições satisfatórias, ultrapassando as múltiplas clivagens que existem em todas as sociedades modernas.

«Uma vida que não se questiona não vale a pena ser vivida», afirmava Sócrates. Céptico em relação à argumentação sofista e aos discursos inflamados, pagou com a vida a sua fixação neste ideal de questionamento crítico.

Hoje, o seu exemplo é o fulcro da teo­ria e prática do ensino da cultura geral da tradição ocidental, e ideias similares estão na base do mesmo ensino na Índia e noutras culturas. Se insistirmos em dispensar a todos os estudantes do primeiro ciclo uma série de ensinamentos da área das Humanidades, é porque pensamos que es­sas matérias os estimularão a pensar e a argumentar por eles mesmos, em vez de se resumirem simplesmente à tradição e à autoridade; e porque consideramos que, como proclamava Sócrates, a capacidade de raciocinar é importante em qualquer sociedade democrática. É-o particularmente nas sociedades multiétnicas e multiconfessionais. A ideia de que cada um possa pensar por si próprio e relacio­nar-se com os outros num espírito de respeito mútuo é essencial à resolução pacífica das diferenças, tanto no seio de uma nação como num mundo cada vez mais dividido por conflitos étnicos e religiosos.

O ideal socrático está hoje submetido a uma rude prova, porque queremos promover a qualquer custo o crescimento económico. A capacidade de pensar e ar­gumentar por si não parece indispensável para os que visam resultados quantificáveis.(…)

Para compreenderem efectivamente o mundo complexo que os cerca, os cidadãos não têm suficientes conhecimentos factuais nem de lógica. Necessitam de um terceiro elemento, estreitamente ligado a esses dois, a que poderia chamar-se imaginação narrativa. Noutros termos, a capacidade de se pôr no lugar do outro, de ser um leitor inteligente da história dessa pessoa, de compreender as emoções, os dese­jos e os sentimentos que ela pode sentir. Essa cultura da empatia está no centro das melhores concepções modernas de educação democrática, tanto nos países ociden­tais como nos demais. Isso deve fazer-se em grande parte no seio familiar, nas escolas, e mesmo as universidades desempenham também um papel importan­te. Para preenchê-lo correctamente, de­vem atribuir um espaço nos seus programas para as Humanidades e as Artes, visto que melhoram a capacidade de ver o mundo através dos olhos do outro – capa­cidade que as crianças desenvolvem por meio de jogos de imaginação.(…)

Devemos cultivar os «olhares interio­res» dos estudantes. As artes têm um du­plo papel na escola e na universidade: enriquecer a capacidade de jogo e de empatia, de uma maneira geral, e agir sobre os pontos cegos, em especial.

Esta cultura da imaginação está estrei­tamente ligada à capacidade socrática de criticar as tradições mortas ou inadaptadas, e fornece-lhe um apoio essencial. Não se pode tratar a posição intelectual do outro com respeito sem ter pelo menos tentado compreender a concepção de vida e as experiências que lhe estão subjacentes. Mas as artes contribuem também para outra coisa. Gerando o prazer associado a actos de compreensão, subversão e reflexão, as Artes produzem um diálogo suportável e até atraente com os preconceitos do passado, e não um diálogo caracte­rizado pelo medo e pela desconfiança. Era o que Ellison queria dizer quando qualifi­cava o seu Homem invisível como «janga­da de sensibilidade, de esperança e de di­vertimento».(…)

As Artes, diz-se, custam demasiado di­nheiro. Não temos meios, em período de dificuldades económicas. E, no entanto, as Artes não são necessariamente tão caras como se diz. A literatura, a música e a dança, o desenho e o teatro são poderosos vectores de prazer e de expressão para todos, e não requerem muito dinheiro para os fa­vorecer. Diria mesmo que um tipo de educação que solicita a reflexão e a imaginação dos estudantes e dos professores reduz efectivamente os custos, reduzindo a delinquência e a perda de tempo induzidas pela ausência de investimento pessoal.

Como se apresenta a educação para a ci­dadania democrática no mundo actual? Bas­tante mal, temo eu. Ainda se porta relativamente bem no lugar onde a estudei, nomea­damente nas disciplinas de cultura geral dos currículos universitários norte-ameri­canos. Esta faixa curricular, em estabeleci­mentos coma o meu [a Universidade de Chicago], beneficia ainda de um apoio ge­neroso de filantropos. Pode-se mesmo dizer que é uma faixa curricular que trabalha melhor hoje para a cidadania democrática do que há 50 anos, época em que os estu­dantes não aprendiam muito sobre o mun­do fora da Europa e da América do Norte, ou sobre as minorias do seu próprio país. Os novos domínios de estudo integrados no tronco comum aumentaram a sua compreensão de países não ocidentais, de eco­nomia mundial, de relações intracomunitárias, de dinâmica de género, de história das migrações e de combates de novos gru­pos para o reconhecimento e a igualdade. Após um primeiro ciclo universitário, os jovens de hoje são, no seu conjunto, menos ignorantes do mundo não ocidental que os estudantes da minha geração. O ensino da literatura e das artes conheceu uma evolução similar: os estudantes são confronta­dos com um leque de textos claramente mais vasto.

Não podemos, contudo, afrouxar a vigilância A crise económica levou numero­sas universidades a cortar nas Humanida­des e nas Artes. Não são, certamente as únicas disciplinas abrangidas pelos cortes. Mas sendo as Humanidades consideradas supérfluas por muitos, não se vê inconve­nientes em amputá-las ou em suprimir to­talmente certos departamentos. Na Euro­pa, a situação é ainda mais grave. A pressão do crescimento económico levou mui­tos dirigentes políticos a reorientarem todo o sistema universitário – o ensino e a investigação, em simultâneo — numa óptica de crescimento.(…)

Numa época em que as pessoas começaram a reclamar democracia, a educação foi repensada no mundo inteiro, para produzir o tipo de estudante que corresponde a essa forma de governação exigente: não se pretendia um gentleman culto, impregnado da sabedoria dos tempos, mas um membro activo, critico, ponderado e empático numa comunidade de iguais, ca­paz de trocar ideias, respeitando e compreendendo as pessoas procedentes dos mais diversos azimutes. Hoje continuamos a afirmar que queremos a democracia e também a liberdade de expressão, o respeito pela diferença e a compreensão dos outros. Pronunciamo-nos a favor destes valores, mas não nos detemos a reflectir no que temos de fazer para os transmitir à geração seguinte e assegurar a sua sobrevivência.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Para o ano, logo se vê !

 AGREGAÇÃO DE ESCOLAS PARA IMPLEMENTAR EM 2012/13 - lista aqui 

 Às 115 novas unidades orgânicas definidas na primeira fase, juntam-se agora mais 37, sendo 35 novas agregações e duas novas unidades orgânicas resultantes de uma desagregação.