quarta-feira, 24 de abril de 2013

Sobre os «achismos» de Crato e o Programa de Matemática

DE REGRESSO AO PASSADO

In "Público" de 24.4.13
por Santana Castilho


« Nuno Crato, antes de ser ministro, tinha um farol para a Matemática: o TIMMS (Trends in International Mathemathics and Science Study), programa prestigiado internacionalmente, que, de quatro em quatro anos, mede os resultados do ensino da Matemática, num conjunto extenso de países. Clamava pela necessidade de entrarmos nessa roda, onde, em 1995, ocupámos um dos últimos lugares. Talvez por isso, ficámos de fora em 1999, 2003 e 2007. Voltámos em 2011, ano da Graça em que Crato passou a ministro e emudeceu em relação ao TIMMS. Porquê? Porque as pessoas que ele denegriu e os métodos que ele combateu fizeram história no seio do TIMMS. Portugal, em 2011, foi 15º em 50 países. Portugal foi o primeiro na escala que mediu o progresso: foi o país que mais progrediu no universo dos 50 classificados. Portugal foi melhor que a Alemanha, Irlanda, Áustria, Itália, Suécia, Noruega e Espanha, entre outros. E que fez Nuno Crato? Acabou com o programa de Matemática do ensino básico, que contribuiu para um sucesso a que não estávamos habituados. Substituindo qualquer avaliação fundamentada por juízos de valor, alicerçados no “achismo” que o caracteriza. Surdo à indignação dos docentes. Contra as associações de professores da disciplina. Com um comportamento autocrático, guiado pela sua nova luz: a do regresso às décadas do Estado Novo. 

Em linguagem imprecisa e discurso sem rigor, o ministro justifica que o novo programa, que não é ainda conhecido, virá “complementar as metas curriculares”, cujo uso tem tido “resultados muito positivos nas escolas”. Um programa “complementa” metas? As metas a que se refere, ou não estão a ser aplicadas ou suscitam a perplexidade dos professores, que vêem nelas um retrocesso metodológico. Por onde anda o ministro? De que fala? Quem o informa? 

O presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática admitiu que o novo programa irá originar uma confusão desnecessária. A Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática, em sede de discussão pública das metas, em Julho passado, denunciou a incoerência que representavam, face ao programa vigente. João Pedro da Ponte, um dos autores do programa, considera que as metas estabelecidas para a disciplina configuram um recuo de décadas. No juízo que formulou é acompanhado pela presidente da Associação dos Professores de Matemática, organização que, em Março, ameaçou interpor nos tribunais uma acção para impedir a aplicação das metas, por conflituarem com o programa. O ministro parece ter actuado com impulso vingativo. Invocam conflito entre metas e programa? Corrigem-se as metas? Não! Muda-se o programa! 

Borda fora, irresponsavelmente, vão milhares de horas de formação de professores e o envolvimento de anos de um enorme conjunto de instituições. Borda fora, levianamente, vai o financiamento de uma acção que deu resultados, internacionalmente reconhecidos. Borda fora irão os manuais escolares, há pouco aprovados. E alunos e professores aguentarão mais um experimentalismo, pedagogicamente criminoso, decidido por um rematado incompetente. »

domingo, 21 de abril de 2013

Escola, Liberdade e Capitalismo

O paradigma a que nos habituámos como professores e, antes, como alunos, foi à 'maldita' burocracia. O modelo de regulação burocrática preserva o poder central e centralizador do Estado, garantindo o equilíbrio entre a fixidez da hierarquia e a neutralidade da lei, garante de que todos temos o nosso 'lugar' pré-definido (e necessário), no seio da grande engrenagem social e produtiva.
A partir dos anos 80, começámos a aspirar pela autonomia das escolas, como por um oásis de frescas água, capaz de nos libertar desse deserto burocrata que nos transformava em autómatos ao serviço de um cérebro distante.
O léxico foi penetrando o quotidiano, mais do que o funcionamento das escolas e, por vagas ou fases, fomos passando da mera 'cosmética autonomista', para uma regulação pós-burocrática, nuns aspetos, ultra-burocrática noutros. 
As estratégias pós-burocráticas e as múltiplas autonomias, são particularmente caras às ideologias que divinizam o mercado como chave de ouro das nossas vidas. Estão associadas à defesa do 'Estado mínimo' e à transformação dos utentes de serviços públicos (como os educativos), em clientes de empresas privadas ou de gestão privada. As políticas autonomistas visam, em última instância, não a garantia simpática de que uma escola pode ser, de facto, 'autónoma', definindo a sua regra, a sua lei. Não. A autonomia visa viabilizar um esquema de livre concorrência mercantil entre as organizações educativas, tanto públicas, como privadas. Criando um mercado educativo liberalizado e regulado pelo lucro e pela procura (a livre-escolha das famílias), a pós-burocracia no seu modelo ultraliberal, permite que o sistema educativo 'evolua', no sentido darwinista do termo: as escolas adaptam-se ou extinguem-se, os recursos 'racionalizam-se'.
As ideias de 'crise do sistema educativo' e de 'escassez de recursos' são fundamentais para apresentar, num ambiente social passivo e/ou recetivo, reformas tendentes à privatização e empresarialização dos serviços públicos, fazendo passar o modelo da eficácia moderna (em oposição à ineficácia burocrática). A este discurso foi vulnerável, nesta mudança de século, tanto a 'nova direita', como a esquerda da Terceira Via (a de Blair em Inglaterra; entre nós, a Esquerda Moderna de Sócrates). Quanto mais a escola se associa a um valor económico, mais se dissocia do seu valor democrático.
Capitalismo e Liberdade, de Friedman, publicado em 1962, foi talvez o texto que mais influenciou as reformas educativas dos anos 80 e 90, que se têm consolidado e alargado na última década - por cá, também. A agenda educativa conservadora e neoliberal (que é uma sofrida antinomia dos tempos que vivemos), proclama um conjunto de dogmas ideológicos que a prova da realidade não tem cessado de desmentir, como agudamente se percebe desde 2008, a todos os níveis. Estes dogmas assentam numa espécie de verdade revelada da economia ultraliberal: quanto mais o Estado reduz a sua intervenção, mais se libertam as forças económicas geradoras de riqueza. Isto quer dizer que basta que o Estado liberte a sociedade civil (tradicionalmente aprisionada nas suas enormes e inúteis garras burocráticas), e veremos florir o imenso jardim do empreendedorismo individual!
Só não sabemos como, nem quando.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Europa, uma ideia improvável

JUDT, Tony (2012). Uma grande Ilusão? Um ensaio sobre a Europa. Lisboa: Ed. 70

Texto baseado numa palestra proferida em 1995, em Bolonha, pelo historiador. O texto dá que pensar, sobretudo agora que não é mais possível ignorar o declínio (talvez) catastrófico de uma «ideia» que ganhou o nome de um continente - Europa.


A «Europa» de Judt não tem a geografia dos cafés, para evocarmos o texto de Steiner (aqui), mas dos conflitos que lhe dilaceraram as entranhas em passados muito recentes. Nascida de uma singular e até improvável conjugação de variáveis, a «Europa» da qual nasceu o meio século de paz e prosperidade que conhecemos, é, não só insustentável a longo prazo, como muito improvável de manter ou repetir.
Segundo Judt, entre os aspetos que contribuiram para a situação que conduziu a Europa ocidental à noção de «união», encontram-se o impacto psicológico coletivo do pós guerra e o desencadear da Guerra Fria, a partir de 1947, dividindo a Europa geográfica em dois blocos antagónicos e alinhando a Europa Ocidental com os EUA.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Da «narrativa» como construção ideológica



« (...) porque é que muitos pensadores do nosso mundo pouco pensante se sentiram tão abalados com o uso da palavra “narrativa” por José Sócrates? A pergunta pode ser formulada de modo mais pedagógico: porque é que, quando alguém diz alguma coisa consistente e inteligente, a arte menor da chacota se manifesta com tão acomodada exuberância?
Falo por mim. Ao colocar as narrativas no coração do espaço televisivo, José Sócrates fez mais pela crítica de televisão do que eu, em muitas décadas de prosa, poderia ambicionar. Entenda-se: reconhecer a existência de narrativas (políticas, jornalísticas, etc.) não é o mesmo que chamar “mentiroso” seja a quem for; é antes lembrar que a aproximação da verdade envolve um labirinto de olhares, visões e linguagens em que cada um afirma, mesmo quando o nega, o relativismo do seu posicionamento no mundo. É triste, mas é assim: as lições de Saussure, Freud ou Barthes, ao longo do século XX, não bastaram; precisamos de José Sócrates para nos lembrar que a nossa dimensão humana só o é porque se enraíza na transfiguração do mundo em narrativa(s).
Por uma vez, em televisão, assistimos assim ao consumar de um gesto genuinamente político: alguém que vem dizer que a política não se faz de inquestionáveis transparências, proclamando, tão só: “Eu vejo o mundo assim”. No limite, defendendo o seu direito de expressão, José Sócrates estava também a defender o direito dos outros à elaboração das suas narrativas.»

sábado, 6 de abril de 2013

Sobre a Ironia, Nietzsche, Sócrates e Almada Negreiros (que faria amanhã 120 anos)

Há na Ironia um conjunto de aspetos que a transformam numa arma particularmente corrosiva. Ela consegue, de forma particularmente eficaz, colocar a nú a fragilidade do 'homem sério', a relatividade da sua linguagem  moralista, desvendando no discurso pomposo, o que Nietzsche designou de 'décadence'.
Apesar de Nietzsche incluir o 'pai da Filosofia' na civilização decadente da racionalidade alienada e moralizada, é possível que tenham tido mais em comum do que nos parece à primeira vista.
Porque a Ironia constitui - como Sócrates estabeleceu - uma metodologia dialógica negativa, crítica, que desconstrói, desmonta e corrói, e portanto, desvenda. Desvenda a vacuidade do discurso 'sério' e 'responsável', mostrando o seu osso desfeito em pó. 
Porque a Ironia é poderosa e Sócrates dela foi Mestre, foi odiado pelo poder instituído: ódio 'institucional' e legítimado pelas instituições da democracia ateniense, que tinha o poder de lhe tirar a voz, tirando-lhe a vida. Foi em 399 a.C..  O poder, na sua compulsão de se manter, é mortífero e mortal.
O poder é conservador e a ironia é, de certo modo 'futurista', pois abre os caminhos das mudanças de paradigma.
Almada Negreiros sabía-o, com apenas 23 anos (em 1915). O seu Manifesto Anti-Dantas marca o início do movimento futurista, pretendendo ultrapassar a decadência lamechas da literatura 'séria' e 'institucionalizada'. Futuro é irreverência, crítica, alguma arrogância, até.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Do blog outrÓÒlhar (Miguel Pinto), um texto sobre a fenomenologia das personagens escolares, com graça e lucidez, em:

http://olhardomiguel.wordpress.com/2013/03/18/os-influentes/


Todos reconhecemos «OS INFLUENTES».

«As lutas pelo poder nas escolas nem sempre mitigam os interesses interesseiros. É um caldo de ascendências de onde emerge uma figura singular que encontra paralelismo nas Farpas do Eça sob o nome de influente.
O influente ordinariamente é proprietário; (…) Na véspera de eleições todos o vêem montado na sua mula, pelos caminhos das freguesias, ou, nos dias de mercado, misturado entre os grupos: fala, gesticula, grita, tem pragas e anedotas. Dispõe de 200 ou 300 votos: são os seus criados de lavoura, os seus devedores, os seus empreiteiros, aqueles a quem livrou os filhos do recrutamento, a bolsa do aumento de décima, ou o corpo da cadeia. A autoridade acaricia o influente, passa-lhe a mão por cima do ombro, fala-lhe vagamente no hábito de Cristo. Tudo o que ele pede é satisfeito, tudo o que ele lembra é realizado. As leis curvam-se, ou afastam-se para ele passar. As suas fazendas não são colectadas à justa: é o influente! Os criminosos por quem ele pede são absolvidos: é o influente! (…)
O influente quer crer que faz parte de uma espécie de casta superior só porque se move na penumbra dos poderes instituídos; é um verdadeiro peão de brega.
Este “cromo do ensino” é inteligível a partir de um quadro de referência que inverte a lógica de serviço público. É a cultura da cunha em todo o seu esplendor. Os influentes não desejam equidade, prescindem da liberdade intelectual e receiam a perda de confiança do poder que ajudaram a conquistar. Alguns desaparecem das salas de professores quando são desmascarados. Através de um pacto de regime, silencioso ou declarado, o clube dos influentes congrega vários tipos de docentes. Amortecem as críticas, impulsionam a intriga para tomar o pulso da contestação e impedem a inovação. Rejeitam a mudança, sobretudo, a que suscitar a modificação do modus vivendi instalado.
Há vários tipos de influentes e agregam-se numa oligarquia:
Os irritados criticam as pequenas falhas de organização, são intolerantes com os alunos e colegas, principalmente, com os mais novos. Creem na sua coragem consubstanciada numa crítica ligeira, disfarçada, que ninguém leva a sério.
Os trabalhadores andam sempre atarefados, azedos e nunca erram. Isto é, raramente assumem o erro, o engano, o descuido, a falha. São os super profissionais.
Os calados não têm opinião, apresentam-se descomprometidos com a escola. São insuspeitos, são os desejados porque não “complicam”. São os ouvidos que as paredes escondem.
Os estrategas preocupam-se com o clima da escola e com as pessoas, mas o que lhes realmente lhes interessa é a conjuntura. Se pressentem sinais de um eventual contrapoder tornam-se visíveis, atuam concertadamente e, com muita facilidade, mobilizam um batalhão de fiéis seguidores. São implacáveis na retaliação.
Os anónimos diferem dos calados porque não têm a capacidade de discernir o seu grau de influência. Fazem o que for preciso para subir na escala de influência.
Raramente os influentes aparecem no seu estado puro. São híbridos e multifacetados. São os videirinhos!»