quarta-feira, 5 de junho de 2013

Nuno Crato quer escolas a escolher professores com base no mérito

Alguns comentários que se me oferecem:

1 - Nuno Crato tem, para a educação, um programa libertário. O que significa que a quer transformar radicalmente, de direito fundamental e serviço público, em «mercado de ensino»: vende-se o 'produto' ao cliente com capacidade para o comprar. A sua sorridente utopia do Estado mínimo não comporta serviços de natureza socioeducativa, como não comporta nenhum dos que caracterizam a evolução civilizacional associada ao Estado Providência nem à sociedade de Bem-estar.
 
2 - A mercantilização do ensino é o verdadeiro conteúdo da visão radical da Autonomia, sendo, neste caso, um mero eufemismo para a concorrência desregulada e selvagem. Por isso, defender a livre-escolha da escola por parte das famílias, que é a versão mercantil na perspetiva do cliente, encontra-se em perfeita coerência com a mercantilização das «empresas escolares» e dos seus administradores de topo (diretores?), o que Crato designa de «escolha baseada no mérito».
 
3 - Entretanto, o libertarismo educativo (e não só) não passa de uma irreal utopia (quando descrita em termos teóricos), que não resiste ao confronto da realidade. Se o mérito profissional dos docentes pudesse ser objetivamente definido, quer em termos de produto, quer em termos de processo; se o mérito profissional dos docentes fosse passível de ser quantificado e medido de forma imparcial; se pudéssemos encontrar uma entidade reguladora, garante da dita imparcialidade; se dessa identificação rigorosa derivasse a integração no mercado de trabalho e até o índice de remuneração ... Se assim fosse ou pudesse, a curto prazo, ser, então estaríamos todos de acordo.
 
4 - Mas a realidade é muito menos simples. A escola é uma organização complexa onde confluem diversos níveis políticos: macro, mezzo, micro.
A micropolítica da escola inclui complexas redes de poder e influência onde o mérito não tem direito de cidadania. Tem-no os grupos de pressão, os variadíssimos 'amiguismos', os rumores, os conflitos ...
Há diretores(as) particularmente vulneráveis a estes «fluxos» ambientais. A esses, falta-lhes o «mérito» da liderança segura, construtiva e serena - aliás, que nem há outra.
 
5 - O senhor ministro Crato deveria fazer um estágio (alargado) em algumas escolas secundárias. Só então, lhe reconheceríamos o mérito de aplicar a sua cega agenda neoliberal.




quinta-feira, 30 de maio de 2013

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Sobre os «achismos» de Crato e o Programa de Matemática

DE REGRESSO AO PASSADO

In "Público" de 24.4.13
por Santana Castilho


« Nuno Crato, antes de ser ministro, tinha um farol para a Matemática: o TIMMS (Trends in International Mathemathics and Science Study), programa prestigiado internacionalmente, que, de quatro em quatro anos, mede os resultados do ensino da Matemática, num conjunto extenso de países. Clamava pela necessidade de entrarmos nessa roda, onde, em 1995, ocupámos um dos últimos lugares. Talvez por isso, ficámos de fora em 1999, 2003 e 2007. Voltámos em 2011, ano da Graça em que Crato passou a ministro e emudeceu em relação ao TIMMS. Porquê? Porque as pessoas que ele denegriu e os métodos que ele combateu fizeram história no seio do TIMMS. Portugal, em 2011, foi 15º em 50 países. Portugal foi o primeiro na escala que mediu o progresso: foi o país que mais progrediu no universo dos 50 classificados. Portugal foi melhor que a Alemanha, Irlanda, Áustria, Itália, Suécia, Noruega e Espanha, entre outros. E que fez Nuno Crato? Acabou com o programa de Matemática do ensino básico, que contribuiu para um sucesso a que não estávamos habituados. Substituindo qualquer avaliação fundamentada por juízos de valor, alicerçados no “achismo” que o caracteriza. Surdo à indignação dos docentes. Contra as associações de professores da disciplina. Com um comportamento autocrático, guiado pela sua nova luz: a do regresso às décadas do Estado Novo. 

Em linguagem imprecisa e discurso sem rigor, o ministro justifica que o novo programa, que não é ainda conhecido, virá “complementar as metas curriculares”, cujo uso tem tido “resultados muito positivos nas escolas”. Um programa “complementa” metas? As metas a que se refere, ou não estão a ser aplicadas ou suscitam a perplexidade dos professores, que vêem nelas um retrocesso metodológico. Por onde anda o ministro? De que fala? Quem o informa? 

O presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática admitiu que o novo programa irá originar uma confusão desnecessária. A Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática, em sede de discussão pública das metas, em Julho passado, denunciou a incoerência que representavam, face ao programa vigente. João Pedro da Ponte, um dos autores do programa, considera que as metas estabelecidas para a disciplina configuram um recuo de décadas. No juízo que formulou é acompanhado pela presidente da Associação dos Professores de Matemática, organização que, em Março, ameaçou interpor nos tribunais uma acção para impedir a aplicação das metas, por conflituarem com o programa. O ministro parece ter actuado com impulso vingativo. Invocam conflito entre metas e programa? Corrigem-se as metas? Não! Muda-se o programa! 

Borda fora, irresponsavelmente, vão milhares de horas de formação de professores e o envolvimento de anos de um enorme conjunto de instituições. Borda fora, levianamente, vai o financiamento de uma acção que deu resultados, internacionalmente reconhecidos. Borda fora irão os manuais escolares, há pouco aprovados. E alunos e professores aguentarão mais um experimentalismo, pedagogicamente criminoso, decidido por um rematado incompetente. »

domingo, 21 de abril de 2013

Escola, Liberdade e Capitalismo

O paradigma a que nos habituámos como professores e, antes, como alunos, foi à 'maldita' burocracia. O modelo de regulação burocrática preserva o poder central e centralizador do Estado, garantindo o equilíbrio entre a fixidez da hierarquia e a neutralidade da lei, garante de que todos temos o nosso 'lugar' pré-definido (e necessário), no seio da grande engrenagem social e produtiva.
A partir dos anos 80, começámos a aspirar pela autonomia das escolas, como por um oásis de frescas água, capaz de nos libertar desse deserto burocrata que nos transformava em autómatos ao serviço de um cérebro distante.
O léxico foi penetrando o quotidiano, mais do que o funcionamento das escolas e, por vagas ou fases, fomos passando da mera 'cosmética autonomista', para uma regulação pós-burocrática, nuns aspetos, ultra-burocrática noutros. 
As estratégias pós-burocráticas e as múltiplas autonomias, são particularmente caras às ideologias que divinizam o mercado como chave de ouro das nossas vidas. Estão associadas à defesa do 'Estado mínimo' e à transformação dos utentes de serviços públicos (como os educativos), em clientes de empresas privadas ou de gestão privada. As políticas autonomistas visam, em última instância, não a garantia simpática de que uma escola pode ser, de facto, 'autónoma', definindo a sua regra, a sua lei. Não. A autonomia visa viabilizar um esquema de livre concorrência mercantil entre as organizações educativas, tanto públicas, como privadas. Criando um mercado educativo liberalizado e regulado pelo lucro e pela procura (a livre-escolha das famílias), a pós-burocracia no seu modelo ultraliberal, permite que o sistema educativo 'evolua', no sentido darwinista do termo: as escolas adaptam-se ou extinguem-se, os recursos 'racionalizam-se'.
As ideias de 'crise do sistema educativo' e de 'escassez de recursos' são fundamentais para apresentar, num ambiente social passivo e/ou recetivo, reformas tendentes à privatização e empresarialização dos serviços públicos, fazendo passar o modelo da eficácia moderna (em oposição à ineficácia burocrática). A este discurso foi vulnerável, nesta mudança de século, tanto a 'nova direita', como a esquerda da Terceira Via (a de Blair em Inglaterra; entre nós, a Esquerda Moderna de Sócrates). Quanto mais a escola se associa a um valor económico, mais se dissocia do seu valor democrático.
Capitalismo e Liberdade, de Friedman, publicado em 1962, foi talvez o texto que mais influenciou as reformas educativas dos anos 80 e 90, que se têm consolidado e alargado na última década - por cá, também. A agenda educativa conservadora e neoliberal (que é uma sofrida antinomia dos tempos que vivemos), proclama um conjunto de dogmas ideológicos que a prova da realidade não tem cessado de desmentir, como agudamente se percebe desde 2008, a todos os níveis. Estes dogmas assentam numa espécie de verdade revelada da economia ultraliberal: quanto mais o Estado reduz a sua intervenção, mais se libertam as forças económicas geradoras de riqueza. Isto quer dizer que basta que o Estado liberte a sociedade civil (tradicionalmente aprisionada nas suas enormes e inúteis garras burocráticas), e veremos florir o imenso jardim do empreendedorismo individual!
Só não sabemos como, nem quando.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Europa, uma ideia improvável

JUDT, Tony (2012). Uma grande Ilusão? Um ensaio sobre a Europa. Lisboa: Ed. 70

Texto baseado numa palestra proferida em 1995, em Bolonha, pelo historiador. O texto dá que pensar, sobretudo agora que não é mais possível ignorar o declínio (talvez) catastrófico de uma «ideia» que ganhou o nome de um continente - Europa.


A «Europa» de Judt não tem a geografia dos cafés, para evocarmos o texto de Steiner (aqui), mas dos conflitos que lhe dilaceraram as entranhas em passados muito recentes. Nascida de uma singular e até improvável conjugação de variáveis, a «Europa» da qual nasceu o meio século de paz e prosperidade que conhecemos, é, não só insustentável a longo prazo, como muito improvável de manter ou repetir.
Segundo Judt, entre os aspetos que contribuiram para a situação que conduziu a Europa ocidental à noção de «união», encontram-se o impacto psicológico coletivo do pós guerra e o desencadear da Guerra Fria, a partir de 1947, dividindo a Europa geográfica em dois blocos antagónicos e alinhando a Europa Ocidental com os EUA.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Da «narrativa» como construção ideológica



« (...) porque é que muitos pensadores do nosso mundo pouco pensante se sentiram tão abalados com o uso da palavra “narrativa” por José Sócrates? A pergunta pode ser formulada de modo mais pedagógico: porque é que, quando alguém diz alguma coisa consistente e inteligente, a arte menor da chacota se manifesta com tão acomodada exuberância?
Falo por mim. Ao colocar as narrativas no coração do espaço televisivo, José Sócrates fez mais pela crítica de televisão do que eu, em muitas décadas de prosa, poderia ambicionar. Entenda-se: reconhecer a existência de narrativas (políticas, jornalísticas, etc.) não é o mesmo que chamar “mentiroso” seja a quem for; é antes lembrar que a aproximação da verdade envolve um labirinto de olhares, visões e linguagens em que cada um afirma, mesmo quando o nega, o relativismo do seu posicionamento no mundo. É triste, mas é assim: as lições de Saussure, Freud ou Barthes, ao longo do século XX, não bastaram; precisamos de José Sócrates para nos lembrar que a nossa dimensão humana só o é porque se enraíza na transfiguração do mundo em narrativa(s).
Por uma vez, em televisão, assistimos assim ao consumar de um gesto genuinamente político: alguém que vem dizer que a política não se faz de inquestionáveis transparências, proclamando, tão só: “Eu vejo o mundo assim”. No limite, defendendo o seu direito de expressão, José Sócrates estava também a defender o direito dos outros à elaboração das suas narrativas.»

sábado, 6 de abril de 2013

Sobre a Ironia, Nietzsche, Sócrates e Almada Negreiros (que faria amanhã 120 anos)

Há na Ironia um conjunto de aspetos que a transformam numa arma particularmente corrosiva. Ela consegue, de forma particularmente eficaz, colocar a nú a fragilidade do 'homem sério', a relatividade da sua linguagem  moralista, desvendando no discurso pomposo, o que Nietzsche designou de 'décadence'.
Apesar de Nietzsche incluir o 'pai da Filosofia' na civilização decadente da racionalidade alienada e moralizada, é possível que tenham tido mais em comum do que nos parece à primeira vista.
Porque a Ironia constitui - como Sócrates estabeleceu - uma metodologia dialógica negativa, crítica, que desconstrói, desmonta e corrói, e portanto, desvenda. Desvenda a vacuidade do discurso 'sério' e 'responsável', mostrando o seu osso desfeito em pó. 
Porque a Ironia é poderosa e Sócrates dela foi Mestre, foi odiado pelo poder instituído: ódio 'institucional' e legítimado pelas instituições da democracia ateniense, que tinha o poder de lhe tirar a voz, tirando-lhe a vida. Foi em 399 a.C..  O poder, na sua compulsão de se manter, é mortífero e mortal.
O poder é conservador e a ironia é, de certo modo 'futurista', pois abre os caminhos das mudanças de paradigma.
Almada Negreiros sabía-o, com apenas 23 anos (em 1915). O seu Manifesto Anti-Dantas marca o início do movimento futurista, pretendendo ultrapassar a decadência lamechas da literatura 'séria' e 'institucionalizada'. Futuro é irreverência, crítica, alguma arrogância, até.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Do blog outrÓÒlhar (Miguel Pinto), um texto sobre a fenomenologia das personagens escolares, com graça e lucidez, em:

http://olhardomiguel.wordpress.com/2013/03/18/os-influentes/


Todos reconhecemos «OS INFLUENTES».

«As lutas pelo poder nas escolas nem sempre mitigam os interesses interesseiros. É um caldo de ascendências de onde emerge uma figura singular que encontra paralelismo nas Farpas do Eça sob o nome de influente.
O influente ordinariamente é proprietário; (…) Na véspera de eleições todos o vêem montado na sua mula, pelos caminhos das freguesias, ou, nos dias de mercado, misturado entre os grupos: fala, gesticula, grita, tem pragas e anedotas. Dispõe de 200 ou 300 votos: são os seus criados de lavoura, os seus devedores, os seus empreiteiros, aqueles a quem livrou os filhos do recrutamento, a bolsa do aumento de décima, ou o corpo da cadeia. A autoridade acaricia o influente, passa-lhe a mão por cima do ombro, fala-lhe vagamente no hábito de Cristo. Tudo o que ele pede é satisfeito, tudo o que ele lembra é realizado. As leis curvam-se, ou afastam-se para ele passar. As suas fazendas não são colectadas à justa: é o influente! Os criminosos por quem ele pede são absolvidos: é o influente! (…)
O influente quer crer que faz parte de uma espécie de casta superior só porque se move na penumbra dos poderes instituídos; é um verdadeiro peão de brega.
Este “cromo do ensino” é inteligível a partir de um quadro de referência que inverte a lógica de serviço público. É a cultura da cunha em todo o seu esplendor. Os influentes não desejam equidade, prescindem da liberdade intelectual e receiam a perda de confiança do poder que ajudaram a conquistar. Alguns desaparecem das salas de professores quando são desmascarados. Através de um pacto de regime, silencioso ou declarado, o clube dos influentes congrega vários tipos de docentes. Amortecem as críticas, impulsionam a intriga para tomar o pulso da contestação e impedem a inovação. Rejeitam a mudança, sobretudo, a que suscitar a modificação do modus vivendi instalado.
Há vários tipos de influentes e agregam-se numa oligarquia:
Os irritados criticam as pequenas falhas de organização, são intolerantes com os alunos e colegas, principalmente, com os mais novos. Creem na sua coragem consubstanciada numa crítica ligeira, disfarçada, que ninguém leva a sério.
Os trabalhadores andam sempre atarefados, azedos e nunca erram. Isto é, raramente assumem o erro, o engano, o descuido, a falha. São os super profissionais.
Os calados não têm opinião, apresentam-se descomprometidos com a escola. São insuspeitos, são os desejados porque não “complicam”. São os ouvidos que as paredes escondem.
Os estrategas preocupam-se com o clima da escola e com as pessoas, mas o que lhes realmente lhes interessa é a conjuntura. Se pressentem sinais de um eventual contrapoder tornam-se visíveis, atuam concertadamente e, com muita facilidade, mobilizam um batalhão de fiéis seguidores. São implacáveis na retaliação.
Os anónimos diferem dos calados porque não têm a capacidade de discernir o seu grau de influência. Fazem o que for preciso para subir na escala de influência.
Raramente os influentes aparecem no seu estado puro. São híbridos e multifacetados. São os videirinhos!»

domingo, 31 de março de 2013

Europa e Educação

A influência internacional nas políticas educativas em Portugal, não começou «hoje», nem sequer neste século. Não vamos, aqui, recuar a Luís António Verney e ao Verdadeiro Método de Estudar - fiquemo-nos, modestamente, pela segunda metade do século XX.
No final do período do Estado Novo, o paradigama fortemente doutrinário e imobilista, que havia dominado este período e projeto político, começa a estilhaçar-se. No início dos anos 70, a reforma do sistema educativo desenhada por Veiga Simão (reforma que não chegou a ser implementada, 'suspensa' pelo 25 de abril) evidenciava já a pressão internacional, no que concerne ao aumento dos anos de escolaridade e à preocupação em aferir as aprendizagens escolares pelo diapasão do emprego e da produtividade.
Porém, foi a partir de meados dos anos 80, que o nosso sistema educativo se tornou mais vulnerável às influências internacionais, principalmente oriundas da União Europeia, inserindo-se num referencial global europeu (Antunes, F.); este movimento explica o contexto educativo de grande parte das alterações que, até ao momento atual, têm afetado o sistema educativo português, não permitindo, naturalmente, escamotear as especificidades históricas, políticas e culturais portuguesas, nomeadamente os efeitos de uma democratização tardia e, preocupantemente, inacabada.
As Reformas Educativas dos anos 80 e 90,  decénio coincidente com a governação social democrática dos X e XI Governos Constitucionais, introduziram a retórica de modernização do sistema educativo (substituindo a retórica de democratização que dominara o decénio anterior). O leque desta retórica, fortemente inspirada na nova direita europeia e na permeabilidade blairiana da «terceira via», abriu a porta ao vocabulário que muitos de nós reproduzimos inocentemente, como se guardasse subtis promessas de melhores tempos educativos: autonomia, descentralização, desburocratização, territorialização, municipalização... Mais recentemente, numa mera inflexão de grau (estamo-nos a aproximar de extremos): avaliação por resultados, promoção por mérito, agregação, flexibilização, livre-escolha da escola pelas famílias, privatização.
      A criação do subsistema de Escolas Profissionais, imediatamente após a adesão de Portugal à, então, CEE, foi a primeira medida de 'infiltração' (ainda híbrida e subtil, mas apontando os novos tempos a vir)  do paradigmal mercantil, no interior do sistema educativo, quebrando as linhas de regulação democrática que se haviam imposto após o 25 de abril. As Escolas Profissionais passaram a ser geridas 'privadamente', por gestores nomeados; iniciou-se a precarização dos contratos docentes, com uma larga maioria de formadores em prestação de serviços; experimentou-se a livre-escolha da escola pelas famílias; consolidou-se a valorização económica da escola e a avaliação da formação a partir do seu potencial de empregabilidade; envolveu-se a sociedade civil, as autarquias, etc.; reduziu-se a 'mão' do Estado na definição das políticas de formação e das redes de oferta; aferiu-se o valor pela procura; iniciou-se a competividade entre escolas; os encarregados de educação e os alunos tornaram-se clientes.
Entre outras coisas.

sexta-feira, 29 de março de 2013

A honra de Crato

Nuno Crato «guarda» relatório sobre a licenciatura do Ministro Relvas, há dois meses, noticia o Expresso de hoje (pág. 8).

Que aspetos deixam dúvidas orgânicas na licenciatura de Relvas, obtida através de equivalências, correspondentes a 160 créditos (quando uma licenciatura completa tem cerca de 180 créditos)? Várias: nenhum outro aluno da Universidade Lusófona obteve tão elevado número de créditos por equivalências; foram dadas equivalências a cadeiras que não existiam, à data, no plano do curso; faltam comprovativos das notas atribuídas; há notas assinadas por outrem (o Reitor), e não pelo docente da cadeira… Enfim, basta para que a tutela tenha o dever de exigir esclarecimentos.
Porém, quando o MEC é Nuno Crato, esse dever é, além de funcional, um dever moral, de honra. E isto porque Crato, depois de uma breve passagem pelo Ensino Secundário (dois anos, de 1980 a 1982) como docente, depois de se ter tornado professor do Ensino Superior e de ter lido umas coisas sobre educação, que encaixou na sua versão elitista e salazarenta do saber, se promoveu numa carreira de comentador e político, que assumiu como bandeira a luta contra o facilitismo.
Foi através desse discurso balofo, no seio do qual deixou sempre por definir, com mínimo rigor que fosse, conceitos fundamentais com os quais operava – como o de facilitismo – que se impôs num discurso populista que agradou a muitos docentes, uns por pura ingenuidade, outros por nostalgia da régua e do medo como armas de imposição social, outros por ‘tique’ de classe real ou fictícia. São esses os que hoje se sentem defraudados com o seu Ministério. O que não é o meu caso que, correndo quase riscos de ‘linchamento’, e comparando Crato com Maria de Lurdes Rodrigues, defendi sempre que tínhamos, agora sim, entrado na situação de catástrofe.
Foi em nome da luta contra o facilitismo que Crato, mal chegado ao Governo, elegeu como máxima perversão do sistema, o programa de certificação e validação de competências dos CNO e iniciou o seu extermínio.
Foi em nome da luta contra o facilitismo que Crato, depois, aboliu disciplinas do Ensino Básico e reduziu carga horária a disciplinas do Ensino Secundário: as associadas ao ensino artístico, à educação para a cidadania, às humanidades  e outras ‘inutilidades’ que vão para além do ler, escrever e contar e do culto dos exames como regra única de medida de conhecimentos. Assim mesmo, em sentido restrito, restringindo a educação. Quantitativa e qualitativamente.
Foi também em nome desta ideologia falsamente meritocrática, contábil e empobrecedora, que Crato desvalorizou os resultados do relatório da OCDE, que demonstravam as significativas melhorias dos últimos anos, em Portugal,em termos de qualificação e redução do abandono escolar: «Temos sido muito críticos em relação a distribuir diplomas porque isso não resolve os problemas do país. O que resolve é a formação", afirmou o Ministro da Educação à agência Lusa, no dia 13 de setembro de 2011.
Crato tem há dois meses, na sua posse, segundo o Expresso, o relatório que pode demonstrar a dimensão da sua estrutura moral. Que nos pode demonstrar se ele próprio alguma vez acreditou na sua parangona ideológica e se dispõe a aplicá-la coerentemente, ou não. É agora a vez de lutar contra o facilitismo. Estamos à espera!

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Uma noite inesquecível na casa de Amália!

No Teatro Politeama, assistimos a mais um musical de Filipe La Féria sobre a diva do fado. Desta vez, o autor e encenador ficcionou um dos lendários serões de Amália, na sua casa da rua de São Bento.
O cenário reproduz a sala de estar da casa de Amália. Ao fundo, as janelas deixam entrever o azul do céu, salpicado do branco das nuvens. É ainda neste espaço que são projetados alguns dos quadros de Maluda, que retratam recantos da cidade de Lisboa, através do recurso às novas tecnologias (projeção multimédia).
O espetador, perante este “décor”, sente-se como fazendo parte da história e do grupo de amigos de Amália Rodrigues, durante uma noite de convívio, no dia 19 de dezembro de 1968, na véspera da partida de Vinícius de Moraes para o Brasil.
Ao lado da figura central de Amália, outras personagens desfilam, interagindo entre si. David Mourão-Ferreira, o poeta, acompanha Amália durante esta noite. Os seus poemas foram cantados pela fadista, que aliás foi pioneira na interpretação musical de poemas de autores consagrados. Alain Oulman, outro dos convivas, representa o artista, cuja originalidade e forma de arte incomoda a repressão da ditadura salazarista, sendo perseguido pela PIDE. Oulman acaba por decidir exilar-se em Paris, onde crê poder continuar a dar asas ao seu talento de criação artística. Natália Correia simboliza a poesia de elite, o poeta intelectual. Esta personagem contrapõe-se à de Ary dos Santos, que defende que a poesia é do povo e para o povo. Esta perspetiva diferente fomenta a relação aparentemente conflituosa entre ambos. A pintora Maluda completa esta galeria, simbolizando a importância das artes plásticas no desenvolvimento intelectual e cultural de um povo. O elenco das personagens conta ainda com o poeta e cantor Vinícius de Moraes, os acompanhantes musicais de Amália (guitarra portuguesa e viola) e Hugo Ribeiro, funcionário da Valentim de Carvalho e responsável pela gravação dos fados e das declamações feitas pelos diferentes intervenientes, durante este longo serão cultural. Para completar este quadro, surge ainda Casimira, a empregada e governanta de Amália.
A ação decorre durante uma noite, assistindo-se a uma reprodução mais ou menos fiel do convívio entre artistas de diversas áreas (música, pintura e poesia) na casa da diva portuguesa do fado. Para além da partilha das expressões de arte que cada personagem domina, o objetivo deste serão é o de que todas as representações sejam gravadas para editar um disco, pela Valentim de Carvalho.
Quanto à personagem principal, o público fica a conhecer as suas diferentes facetas: a Amália que canta fado (e cujas letras são poemas de Camões, David Mourão-Ferreira ou Ary dos Santos); a Amália que interpreta cantigas com uma sonoridade mais popular; a Amália que canta canções em línguas estrangeiras como o Francês ou o Espanhol.
O público vai, assim, construindo um retrato desta artista, ficando com a ideia de que esta foi muito mais do que uma fadista, adaptando-se com extrema facilidade a outros registos musicais.
Por último, o espetador é brindado com uma homenagem feita por cada ator a cada um dos artistas retratados, evidenciando a mais-valia que cada um deles representou no contexto da época recriada.
“Uma noite em casa de Amália” presenteia o público com a evocação de figuras incontornáveis da cultura portuguesa.
Amália ofereceu-nos a sua VOZ… Para sempre!

21/01/2013

Da Escrita...


Existe a máxima de que os grandes escritores começaram por ser grandes leitores. É certo que esta premissa é discutível. No entanto, parece ser evidente que os hábitos de leitura conduzem ao enriquecimento vocabular e apuram a imaginação.
Facilmente se depreende a relação intrínseca entre os atos de ler e de escrever. Ambos são formas de comunicação e de aperfeiçoamento cultural. A leitura é um espaço privilegiado de aprendizagem da escrita. Porém, a qualidade da escrita exige (re)escrever!
Por seu lado, escrever constitui um desafio à descoberta de uma voz própria dentro de cada um de nós. E encontrar essa voz é fazer da escrita um espaço de liberdade de pensamento e de expressão.
Escrever com qualidade pressupõe talento (um imaginário rico) e técnica (linguagem própria para verbalizar e estruturar o pensamento), para além de um domínio absoluto da matéria-prima – a Língua Portuguesa.

21/01/2013

Da Leitura...



A propósito da comunicação na sociedade e de alguns estudos que revelam as fragilidades que os portugueses, jovens ou adultos, manifestam no domínio da Língua Portuguesa, nas mais elementares necessidades quotidianas, surge esta breve reflexão sobre a absoluta urgência de LER, ao longo da vida, independentemente da nossa área de formação profissional.
Pensar na Leitura é refletir primeiramente no seu papel essencial no acesso à informação e ao conhecimento. É uma fonte inesgotável de descobertas!
Para os jovens, ler não deveria ser uma obrigação ou um imperativo social ou cultural, mas antes ser entendido como um ato de fruição, seja no que diz respeito ao domínio das ciências exatas, seja na área literária ou outras. Não se pode partilhar o prazer que a leitura nos proporciona, no sentido de darmos a outra pessoa um “bocadinho do nosso prazer”, mesmo porque este é um conceito abstrato. Mas podemos e devemos partilhar a ideia de que um livro é um amigo “paciente, tolerante e silencioso”1, que aguarda que a nossa leitura lhe confira a completude do seu sentido, enquanto objeto cultural.
São também os livros os principais veículos e “guardiães” da memória cultural da Humanidade… Os livros e a s outras formas de comunicação escrita, como os pergaminhos, o papiro, a tábua de cera…
Neste contexto, não há lugar a comparações entre a leitura e as novas tecnologias. Sendo que estas últimas, presentemente, têm um impacto inabalável na sociedade atual, deve encarar-se de frente a diferença existente entre estes dois recursos da comunicação do século XXI, valorizando-os de igual forma, pois todos contribuem indiscutivelmente para o crescimentos cultural dos cidadãos e para uma maior agilização do ato de COMUNICAR.
O livro não pode ser tratado como uma “flor de estufa”, algo de inacessível e intocável. É um objeto tátil e deve ser explorado com os diferentes sentidos – a visão, o tato, o olfato… E, até mesmo, a audição!
Ouvir ler em voz alta proporciona momentos significativos de aprendizagem. Recontar uma história potencia uma maior fluência na expressão oral e permite mobilizar várias competências da comunicação. Afinal, é “de boca em boca” que a Literatura Tradicional e Oral (berço cultural de um povo) passa de geração em geração!
LER é fazer parte de mundos imaginários… E o “sabor” da evasão é inexcedível!

(1) Citação de José Jorge Letria

03/12/2012